domingo, 20 de fevereiro de 2011

O Andarilho - parte 1

Der Wanderer über dem Nebelmeer (O Andarilho acima do mar de névoa),1818, Caspar David Friedrich


Ele levou as mãos à testa para esconder os olhos da luz fulminante do sol que caía naquelas terras áridas. Caminhava por essa amarga trilha já por anos, em busca de algum tesouro em algum ponto distante, tesouro esse que já nem mais tinha certeza que existia.

Vez por outra encontrara pistas e marcas na areia que apontavam que estava seguindo o caminho certo, mas nunca conseguiu ter certeza se tais marcas eram concretas ou se eram nada além de alucinação. Tinha evidências que poderiam corroborar as duas possibilidades.

Em uma ocasião, chegou a descobrir riquezas, mas acabou abandonando-as. Tais riquezas se mostraram mera miragem, e, mesmo se fossem reais, seriam uma pálida imitação imperfeita do verdadeiro objetivo.

O andarilho passou a refletir sobre sua atual situação. Ele sabia que não aguentaria esse caminho por muito mais tempo, e certamente sucumbiria à fome ou à loucura. Cogitou simplesmente esquecer o objetivo e levantar vôo, afinal, ele tinha asas, por mais que fosse difícil e doloroso usa-las. Em outras trilhas, poderia encontrar tesouros até maiores e mais reluzentes do que aquele que buscava.

Foi quando teve esse pensamento que uma gargalhada acabou escapando de sua garganta seca: Ora, todos esses anos e havia esquecido das suas asas! Sim, fazia tempo que ele não as usava, e era muito difícil alçar vôo, mas elas estavam lá. Esse pensamento o divertiu, assim como a constatação de que o que o obcecava não era apenas o ouro, mas a própria trilha, a busca. Estava obcecado pelo seu próprio sofrimento.

Percebeu também que levantar vôo também não implicava necessariamente em desistir de seu objetivo: Se conseguisse as forças necessárias para decolar, poderia simplesmenter descobrir o que se localizava no fim daquela trilha, afinal, e caso não fosse o que procurava, poderia se dirigir para outras terras, outros lugares e outros tesouros que certamente abundam nesse universo gigantesco.

Com um sorriso, apesar da dor e do esforço descomunal que vinham com o uso de suas asas após tantos anos, ele se lançou aos céus, sem saber o que o aguardava. Com os olhos semicerrados devido a luz, ele olhou na direção do fim da trilha e tentou constatar o que lá havia.

Longe do sofrimento das areias do deserto, ignorando as miragens pelo caminho, tudo chegaria ao fim em breve.


(Continua...)

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